Probabilidades e o Euromilhões

"Com uma chave dessas como é que estás à espera de ganhar!"
Este é o comentário que ouço sempre que preencho o boletim do Euromilhões. A razão é simples: faço sempre chaves "malucas"!
Passo a resumir como isto funciona. Por 1€, podemos fazer uma aposta que consiste numa escolha de 5 números entre 1 e 50, e de duas "estrelas", que mais não são que números entre 1 e 9. A este conjunto de números chama-se uma "chave". À sexta-feira a Mariza Cruz faz-nos o favor de dizer quais foram os números premiados dessa semana. Consoante os que correspondam à nossa aposta, ganhamos qualquer coisa (ou não).
Ora, eu gosto de fazer uma chave que pareça boa no boletim. Com isto quero dizer que as minhas escolhas de 5 números inevitavelmente fazem linhas, diagonais, smileys, ou o que quer que me dê na telha no momento da aposta. É claro que invariavelmente recebo o tal comentário...
É curioso como é difícil ao comum dos cidadãos perceber que, realmente, não importa qual a chave que se escolha: todas são igualmente prováveis . O que é paradoxal aqui, é que não é difícil convencer alguém que realmente todas as chaves estão nas mesmas condições. Basta pensar que a máquinazinha donde saem as bolas não "sabe" que bolas saem. Todos os números estão em pé de igualdade, de modo que qualquer chave é tão boa quanto outra. Virando o argumento ao contrário, podemos pensar que de facto, qualquer chave é incrivelmente incomum! Olhem para a chave que saíu na semana passada: Já pensaram como é terrivelmente especial? São precisamente os números correspondentes às bolas que por um miraculoso acaso, entre colisões com dezenas de outras, acabaram por ser seleccionadas pela máquina do sorteio na sexta-feira passada. Já imaginaram a probabilidade de ter saído precisamente essa chave, precisamente esses números, nesse preciso dia?
Pois bem, é a mesma de qualquer outra!
Ora, se somos capazes de aceitar este argumento porquê então tanta aversão psicológica a chaves fora do comum, como "1,2,3,4,5", ou em diagonal ou seja o que for? Uma justificação que me foi dada para não fazer apostas "malucas" foi que "nunca saiu uma chave na diagonal, por exemplo". Chaves esquisitas nunca saem, de modo que devemos fazer apostas o mais "normais" possíveis. Isto implica excluir características distintivas, como seria por exemplo 5 números seguidos, já que isto "nunca acontece". Certo?
Errado!
É verdade que é muito mais provável que uma chave normal seja sorteada do que uma chave maluca: isto deve-se ao facto mais ou menos óbvio de que existem muitas mais chaves de aspecto normal do que de aspecto invulgar. É por isso também que "nunca saiu" (ou pelo menos é muito raro) sair uma chave fora do comum. Mas, o cerne da questão é que só podemos apostar numa única chave em particular, e todas as chaves são iguais aos olhos, se não de Deus, pelo menos aos da máquina do sorteio. Friso bem: uma única chave.
Por outras palavras, se a nossa escolha fosse entre "chave vulgar" ou "chave invulgar", é óbvio que deveríamos optar pela primeira. Mas o que importa para o sorteio é a chave em si, não o seu aspecto, e já sabemos que todas as chaves têm a mesma probabilidade de saírem. Se ainda não estão convencidos, dou-vos um exemplo:
Suponha-se que em vez de números, todos os nomes de todos os Portugueses eram colocados numa tômbola. Uma aposta consistiria em escolher um dos nomes: caso acertássemos naquele que fosse sorteado, estaríamos ricos. Agora, é óbvio que em Portugal existem muito mais morenos que ruivos. Se fizéssemos muitos sorteios, é natural que a maior parte dos nomes que saíssem pertencessem a pessoas morenas. Isto significa que deveríamos apostar no nome de uma pessoa morena? Isso aumentaria as nossas chances? Aqui a resposta já parece ser obviamente negativa: todos os nomes estão em pé de igualdade dentro da tômbola. Mas este exemplo é exactamente igual ao caso do Euromilhões! Basta-nos substituir nomes por chaves, morenos por "normais" e ruivos por "malucas".
Para acabar, noto que a máquina do sorteio não tem memória. Se todas as chaves estão em pé de igualdade, todas estão em pé de igualdade. Isto significa em particular que a chave desta semana pode ser a mesma da semana anterior. "Mas isso é quase impossível de sair!" Não mais do que qualquer uma outra. Quem é que aceita esta aposta?
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home